segunda-feira, julho 30, 2007

(Retiro)

Hoje, outro dia difícil, embora iluminado por uma luz especial. Não a luz tórrida do Astro intenso, mas a luz de dentro, feita de incenso, tingida de um anil brilhante e transparente. Essa luz atenuou a espécie de cortiça cheia de buracos secos em que se transformaram estes dias feitos de sede, de fome, de palavras insuficientes e de desejo. E de súbito, por entre a floresta urbana, escaldante mas misteriosamente sorridente, a rua. O sítio. O prédio. A janela. Tudo continua lá. E, nós, a nossa vida, tão diferentes daquele dia, faz amanhã dois anos em que nos despedimos loucamente para mais umas férias que eram o nosso tormento. O nosso sofrimento silencioso. Disfarçado entre as alegrias típicas dos Verões, que ajudavam. Entre as variações do quotidiano bruto e insonso em que vivíamos paralelamente. Despedimo-nos até Setembro, era sempre em Setembro que fingíamos que não tinha havido Agosto, de duas ou três horas em que não existia mais nada, a não ser a insatisfação da efemeridade. E, todavia, amanhã, amanhã... Todos aqueles sítios que nos pareceram paraísos na Terra, como hoje nos saberiam a muito pouco na fugacidade dos gestos. A exigência aumenta à medida que a facilidade vence os obstáculos das dificuldades. Mas não pude deixar de me comover. Lembro-me que tinhas de sair cedo para regressar. E eu, para partir. Tu regressaste. Eu parti. E um dia nos reencontrámos noutro paraíso qualquer algures, noutro prédio, doutra rua, com outra janela por onde nunca olhávamos já que só nos víamos a nós. Hoje, também só nos vemos a nós, mas conquistámos as janelas do mundo. E reencontrámo-nos sempre.